sexta-feira, outubro 16, 2009

Os professores que dizem NO !

Continuando a série de professores que tive, gostaria de dedicar este POST ao professor Teófilo, o único professor que conseguiu me reprovar e por isso tenho muito carinho por ele.
Ele me reprovou e tenho carinho por ele? Pois é. Vamos ao início.
Eu nunca fui de estudar. Tenho uma capacidade de raciocinar relativamente boa e uma memória muito desorganizada, mas estranhamente eficiente. Em dia de prova eu simplesmente me lembrava da matéria e nunca tive problemas sérios de notas em função disso. Tive fama injusta de CDF, por não sair muito de casa, mas eu quase não estudava – Quase não, não estudava mesmo. Passava minhas tarde jogando vídeo-game ou assistindo Sessão da Tarde – Sei diálogos do “Pássaro Azul” de cor. Eu era ou segundo ou terceiro aluno da classe e pra mim tava bom demais, dado o custo.
Pra prestar vestibular resolvi estudar, mas também não foi tanto assim. Tanto que fui, relativamente bem em matemática e muito bem em química e muito ruim em Física. Na média, fui terceiro colocado no vestibular da minha turma. Ironicamente no curso de Física.
Depois dos trotes, a primeira aula que assisti pra valer, foi de um professor magro, com um pesado sotaque castelhano (ou um fraco sotaque português, como maldosamente os colegas o classificavam) e com uma lousa absolutamente maravilhosa. Esse era o professor Colombiano Teófilo.
Dizer que ele tinha um sotaque espanhol é pouco. Ele praticamente falava em Espanhol mesmo. Isso não chegava a ser problema, porque o espanhol é bem entendível, não dá pra se aventurar a falar, mas entender é tranqüilo.
O pior problema era mesmo a matéria. Geometria Analítica me parecia simples. Parecia, parecia. Aquela mania de não estudar estava com os dias contados. Não me lembro muito bem das notas, mas não fui bem. Acabei ficando de recuperação e passei.
Por outras razões eu já estava aprendendo a estudar e no segundo ano, o mesmo professor Teófilo deu a disciplina Calculo Avançado. Aí sim as coisas se complicaram.
A disciplina era puxadíssima, a classe era imensa (perto de 90 alunos em uma classe) e eu aprendendo a estudar. Ficava na biblioteca estudando, estudando e estudando. Fazia listas de exercícios e pegava provas dos anos passados pra tentar resolver. E nota que é bom nada.
Teófilo era um professor, até certo ponto ríspido, de respostas monossilábicas, por outro lado uma pessoa inteligentíssima e um professor que tinha o ensino como objetivo principal. Me lembro de ir um dia em sua sala tirar dúvidas e ele estava atendendo um professor, conversando sobre assuntos departamentais. Ao me ver, ele se dirigiu ao professor – Perdona-me, tengo que atender un aluno !
Ele era assim, ensino em primeiro lugar. O Contrário também valia. Pouquíssimas vezes ele abria espaço para conversas sobre seja lá o que fosse, que não fosse o assunto da aula.
Uma vez aconteceu uma cena surreal. Ele estava dando aula e na rua, passou um palhaço (palhaço mesmo, estes de circo) divulgando algum evento cultural na cidade. O palhaço tocava um tambor e uma buzina. Entrou na sala em que estávamos em aula. O prof. Teófilo nem parou para ver o que acontecia, seguia sua lousa maravilhosa. O palhaço se dirigiu a ele então – PROFESSOR, POSSO DAR UM RECADO PARA A TURMA ?
NO – Respondeu ele, sem sequer se virar.
O palhaço agradeceu e se foi !
Ele era assim. Sempre fumando muito, sempre lendo ou escrevendo e tomando muito café. Me lembro de uma prova que foi das 8:00 hs da manhã até as 14:00 hs ! Initerruptamente. “Enquanto agüentarem, estoy aqui !”
Foi, foi e foi e acabei reprovando em Calculo Avançado. Percebi que o Prof. Teofilo tinha me desafiado intelectualmente e eu tinha perdido. Compreendi que a culpa não era dele (ao contrário do que os colegas achavam) e que eu tinha de fazer a disciplina de novo e passar.
Fiz de novo. E fui relativamente bem, lá com meu cinquinho básico, mas bem. Na última prova dei uma bobeada e fiquei com média ligeiramente abaixo da média, com muitos alunos.
Estes alunos e eu, então fizemos um pedido para que ele nos desse outra chance. Ele aceitou. Pediu para que fossemos a sala dele em tal dia e tal hora.
Ficamos todos enfileirados e ele numa sala. As vezes ele abria e um aluno desolado saia. Ele então chamava o próximo.
Pouquíssimos foram aprovados naquele dia.
Quando eu entrei na sala, ainda me lembro bem, o ar dava pra cortar da fumaça de cigarro. Pensei então que ele me daria um exercício daqueles para resolver. Ele então me falou - “Desenhe una funcion en la lousa !”. Desenhei então uma minhoca.
Calcule ahora la integral desta funcion.
E agora ? Fiquei pensando, pensando e ele “Se no sabes um conceito bassico destes no puede passar !”
Então fiz alguns retângulos e disse pra ele – “A integral desta função é a soma da área destes retângulos !”
MUY BIEN ! ESTAS APROVADO !
Em retrospecto penso que o professor Teofilo realmente desafiou a todos os 90 alunos daquela turma para um jogo de xadrez que durou cerca de 2 anos. Alguns não viram assim, mas quem viu e aceitou o desafio jogou com um grande jogador, uma pessoa com inteligência e cultura muito acima de nossa.
Ele ganhou uma partida, mas eu ganhei a outra e ele ficou feliz por isso.
Anos depois recebi a notícia do falecimento do professor Teófilo. O excesso de café e cigarro devem ter feito mal para seu coração.
Hoje sinto falta de pessoas que realmente me desafiem intelectualmente- Tenho um profesor me desafiando atualmente, mas escreverei sobre isso em outro POST. Parece que a mediocridade impera. Muitos dos meus alunos também não vêem desafios intelectuais com bons olhos e acham que ser reprovado é culpa do professor.
Ainda bem que eu tive um professor Teófilo, um professor que dizia NO na minha vida !

6 comentários:

EXEEDER disse...

Meu nome eh Allan, filho do Prof Teofilo. Fiquei emocionado ao ler o post. Quanta sensibilidade e detalhes. Parabens. Amem e cuidem de quem vcs gostam porque a vida passa repentinamente.
Apesar do cafe e cigarro ele cuidava muito saúde, alimentaçao natural e exercicios fisicos e de física.
Foi um excelente pai, companheiro e amigo.

EXEEDER disse...

Ola Samuel,

Sou Allan Abuabara, filho mais novo do Prof. Teófilo. Tenho 27 anos e sou Cirurgião-dentista.

Fiquei emocionado com o comentário e riqueza em detalhes. Quanta sensibilidade.

Apesar do cigarro e café, meu pai cuidava muito da saúde com alimentaçao saudável e exercícios físicos, além de cuidar muito da mente.

Parabéns e agradeço a homenagem.

EXEEDER disse...

Ola Samuel,

Sou Allan Abuabara, filho mais novo do Prof. Teófilo. Tenho 27 anos e sou Cirurgião-dentista.

Fiquei emocionado com o comentário e riqueza em detalhes. Quanta sensibilidade.

Apesar do cigarro e café, meu pai cuidava muito da saúde com alimentaçao saudável e exercícios físicos, além de cuidar muito da mente.

Parabéns e agradeço a homenagem.

Unknown disse...

Oi Samuel! Sou filha do Teófilo. Eu adorei o seu blog. É tudo verdade mesmo, rsrsrs!! Fico feliz de você ter boa memória dele e que ele tenha te deixado um legado também. Um abraço pra você, Leila

Unknown disse...

Olá Samuel: Sou Albert, irmão do Allan e da Leila e filho do Prof. Teófilo. Escrevo para lhe deixar um abraço e grandes felizes dias de pai.
Albert.

Samuel disse...

Obrigado. Por conhecidência, hoje completo 5 anos de pai!
Parabens pelo pai que vcs tiveram!