quinta-feira, setembro 21, 2006

Carta Aberta ao Jornal de Rio Claro

Carta Aberta ao Jornal de Rio Claro

Caros senhores editores e cara senhora Aline Magalhães Ceron editora do Jornal Cidade,

No jornal de Rio Claro, no dia 17 de Setembro de 2006, na pagina 2 (seção página dois), na seção Artigo de autoria da senhora Aline M. Ceron, com o título “Que susto !” abordou o fato de uma aeronave ter sobrevoado a região do bairro Cidade Jardim na quinta-feira, dia 14 do mês corrente. O fato foi tratado de uma maneira que me deixou muito preocupado, ciente da democracia representada por este meio de comunicação e pela importância de tal na sociedade rioclarense, escrevo meus pareceres.

Em seu primeiro parágrafo, lê-se: “(...) Muitos dos que moram ou trabalham pelos lados do Cidade Jardim foram surpreendidos por uma manobra, para muitos considerada arriscada e absurda, de um avião que passava pela cidade.”

Primeiramente é questionável, quem são os “muitos”. Quem assiste uma exibição da esquadrilha da fumaça acha que aquelas manobras são feitas a bel prazer do piloto, quando na verdade se trata de manobras executadas com alto grau de segurança. Acidentes acontecem, mas dentro de certa margem de erro, os expectadores estão em segurança, mesmo achando que não estão. O jornal não poderia colocar a opinião de “muitos”, sem citar fonte oficial, ou ouvir autoridades competentes a respeito. Que tipo de manobra foi executado e se realmente existiu perigo. Se a população correu, realmente risco, existem meios legais de exigir punição aos responsáveis.

Mais adiante (quinto parágrafo) lê-se: “Não sou contra procedimentos de aeronaves (...) mas manobrar bem em cima de nossas cabeças já acho uma falta completa de responsabilidade; querem fazer testes de aviões, façam, mas façam em locais não habitados (...)”. Assim como uma aeronave, a informação exige responsabilidade e ambas, usadas sem tal, podem prejudicar muitas cabeças. Mais uma vez, alguém disse que a aeronave estava fazendo um teste. Mas ninguém checou tal informação e nem se sabe que tipo de teste. Poderia ser simplesmente um teste de radio, equipamento de navegação (em nosso aeroclube existe um radiofarol), poderiam ser inúmeros testes, até de equipamento em solo. Mas na falta de informação a respeito, supôs-se que o teste era crítico (como de motor, estrutura) e que sim, a população correu risco. Mais uma vez: A legislação brasileira normaliza onde e como são feitos os testes e novamente, se algum procedimento não foi cumprido, existem meios legais para punir os responsáveis. A maioria dos testes é realizada em aéreas restritas, com comunicado a autoridades policiais, bombeiros, médicos, etc. Inclusive, dependendo do tipo de testes, o próprio espaço aéreo é interditado.

Mas o pior ocorre no sexto parágrafo, onde a vistas destas suposições infundadas, argumenta-se que “Acho particularmente que o local de nosso campo de aviação seria muito mais adequado em outro lugar mais afastado, onde os vizinhos não fossem casas e condomínios da qualidade que são e transformar o local (...) num projeto estudado e que provavelmente seria muito melhor utilizado, que orgulharia, e muito, nossa população”. Primeiramente, não houve, até onde li, ligação entre o fato do avião e o aeroclube, além disso, o texto leva a crer que o que ocupa tal espaço, atualmente – o aeroclube – não nos inspira orgulho! O nosso aeroclube é sim motivo de muito orgulho para a população, que como eu, sabem a história deste lugar. Ali se formaram varias gerações de pilotos e profissionais da cidade. Muitos dos pilotos da TAM, Varig, VASP, pilotos da aviação executiva, pilotos acrobáticos e campeões de planadores se formaram em Rio Claro. Em publicação recente sobre o alegado 100 anos do primeiro vôo dos irmãos Wright, a Nasa fez uma coletânea dos aviões mais importantes do período pré Segunda Guerra Mundial e há a citação de apenas dois aviões brasileiros: O Demoiselle, que é considerado como um modelo francês pelos autores, mas é projeto de Santos Dummont e o IPT-0 ou Bixinho, um avião de madeira construído nas oficinas do IPT em São Paulo e concluído e voado em Rio Claro até sua aposentadoria na década de 80. Neste mesmo aeroclube voou Alberto Bertelli, piloto que agora dá nome a pista de aeromodelismo neste mesmo aeroclube. Este piloto é símbolo da aviação nacional, herói de tantos brasileiros e voou e deu instrução por tanto tempo neste mesmo aeroclube. Foi em nosso aeroclube também que aprendeu a voar o piloto mais jovem a solar uma aeronave em todo o mundo.

No quesito segurança, devo lembrar que o aeroclube foi ganhador, em 2005 do prêmio Anésia Pinheiro Machado de segurança de vôo. Fato este, quase ignorado pela imprensa local. Ignorado também foi o evento que conhecidentemente ocorreu no mesmo dia da publicação do citado editorial, na pista de aeromodelismo de vôo circular, Alberto Bertelli, no aeroclube, evento que contou com a nata dos competidores paulistas. Pilotos de renome internacional, sendo alguns dos pilotos que representaram o Brasil recentemente, em campeonato realizado nos EUA. Tal evento, apesar da insistência dos organizadores e de minhas particulares tentativas, não teve nenhuma cobertura da imprensa. Nenhum repórter foi deslocado para lá para registrar o evento.

Além disso, conclamar a população para se posicionar contra o aeroclube, com argumentos de que casas de luxo estão ao seu redor é uma medida muito anti-ética, uma vez que o aeroclube está ali instalado desde o inicio da década de 30, servindo a população rioclarense e regional. Lembro-me de várias vezes ver a UTI aerotransportada da Unimed aterrissar na pista para transportar uma importante e querida personalidade da cidade. Lembro-me também de, pelo menos uma vez, acompanhar o pouso de um helicóptero trazendo familiares de uma conhecida família residente no citado Cidade Jardim. Um jornal, encarregado de divulgar e mediar os anseios da população, não deveria colocar as coisas nestes termos de “população que paga impostos” contra as pessoas que usam o aeroclube. Somos todos irmãos e devemos lutar unidos pelo sucesso de nossa cidade e solução conjunta de nossos problemas. Não se pode argumentar um assunto desse porte (a transferência da instalação do aeroclube) baseado em emoções individuais. Vale lembrar que aeroclubes eram instalados tradicionalmente longe das cidades, mas as cidades foram se aproximando. Isso acontece também em outras cidades, como São Paulo, onde o campo de Marte fica rodeado de casas e até o aeroporto de Le Bourgeot nos arredores de Paris (um dos mais antigos do mundo), agora tem casas por todos os lados. E ironicamente a valorização destas terras só ocorreu por causa do próprio aeroclube.

Tudo isso se conclui no sexto parágrafo onde se afirma: “Moro muito próximo ao campo de aviação e o pó e a sujeira que vem de lá são absurdos (...) Na época da estiagem, então, nem se fale, não tem criança que não tussa (...)”. Infelizmente não tenho mais freqüentado o querido aeroclube, tanto quanto queria, mas mesmo assim e morando bem longe deste, também tenho sido vitima da rinite, da tosse e das alergias. Toda a população de Rio Claro, sente mais os efeitos das queimadas de cana que talvez da pista do aeroclube. Mesmo assim, sabemos – eu pelo menos tenho plena consciência, que o setor canavieiro sustenta grande parte da economia de nossa cidade e, entre perder um setor produtivo importante a agüentar minha rinite, fico com a segunda opção. Acho que, se a situação for realmente grave, o trabalho do jornal, seria analisar as alternativas, ouvindo as partes. Por exemplo, asfaltar a pista: É viável? É de interesse do município? Como fazer pra convivermos com esta situação. Mas para o editorial, o aeroclube se resumiu a pó, assim como virou pó a Gurgel, a Skol, a Vila Velha, a escola Bilac e tantas coisas que ainda irritam nossos olhos.

Em resumo, peço que o jornal se posicione de forma mais respeitosa e cautelosa com respeito a nosso aeroclube, não como algo que deva ser reverenciado como um mausoléu dos tempos áureos de nossa cidade, mas como uma instituição viva, que luta com todas as dificuldades que todos os aeroclubes do país vem enfrentando. Peço também que não considerem o aeroclube como uma instituição que está lá para pessoas que não tem medo de ser arriscar pelos céus, brincando de piloto, mas sim como uma instituição séria que forma profissionais de qualidade e que está ali para servir junto com toda a população, para a melhoria da qualidade de vida em nossa cidade.

Agradeço ao espaço democrático de debate de idéias e subscrevo-me,
Samuel (não sou piloto, nem sócio do aeroclube)

2 comentários:

Samuel disse...

A Editorialista do Jornal, Aline M. Ceron muito gentilmente respondeu minha carta e autorizou a postagem de sua resposta.
Democracia é isso: Ouvir as partes e tentar chegar a um consenso.
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Olá Sr. Samuel,

Recebi seu e-mail, e com toda consideração afirmo que respeito suas colocações, e que embora seja diretora administrativa do Jornal Cidade não significa que o que eu digo seja a opinião do jornal, somos uma equipe que procura ouvir a todos e dar espaço a todos também, e nos textos que escrevo aos domingos, onde aproveito para agradecer sua leitura, procuro escrever como uma colaboradora como tantas outras e outros que nosso Jornal possui.

Sei de seu respeito pelo nosso Jornal, visto que sempre que pode participa de nossas promoções e abraça nossas causas, o que agradecemos sinceramente pela preferência.

Sobre o artigo onde falava do avião que fez uma manobra em cima do campo de aviação, expus somente minha opinião como cidadã, só acho que seria interessante e necessário sabermos antecipadamente que tais procedimentos ou testes seriam feitos para não sermos pegos de surpresa, embora tenha que discordar de sua colocação e achar que riscos existem e muitos nestas ocasiões, mas insisto em dizer que fiz essa colocação sem ter absolutamente nenhuma conotação pejorativa aos outros bairros de nossa cidade como também sem procurar denegrir de maneira nenhuma o nosso aeroclube.

Para o JC o Campo de Aviação tanto é motivo de orgulho que permanece como pauta permanente para suas páginas. Em especial, foi destaque na última edição da revista JC Magazine, onde citamos ali, o privilégio de Rio Claro dispor de algo tão importante. Mas o fato do aeroclube ali estar desde a década de 30 enfatiza a necessidade de rever sua atualização, pois nos últimos setenta e seis anos muitas coisas mudaram no país e em nossa cidade, e felizmente, pelo que se vê, tudo encontra-se em discussão para se apurar o que é melhor para a vida de todos.

Caro Sr. Samuel, espero ter sido clara em minha explanação e mais uma vez coloco nosso Jornal Cidade a sua disposição, e espero sinceramente poder continuar contando com sua valorosa opinião e participação, pois como disse tantas vezes no texto acima, o JC não é meu, ele é nosso, ou seja, seu também.

Atenciosamente,

Com respeito,

Aline Magalhães Ceron

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Dois comentários apenas: De fato, um editorial assinado não pode ser encarado como opinião do jornal com fiz na minha carta e segundo a empresa e a equipe que faz o Jornal de Rio Claro publica uma revista muito boa chamado JC Magazine (citada na resposta) de qualidade grafica e editorial invenjavel. Se alguem tiver acesso vale a pena ver.

Samuel disse...

Outro comentario que recebi pela carta. Sem comentários. Decio Correa escrevendo, compartilhando minhas ideias e me parabenizando, é de deixar sem palavras.

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Grande Samuel
Que coisa bonita. Vivo "de e na" aviação ha 42 anos e poucas vezes pude constatar a defesa de um campo de aviação e um aeroclube com tanta serenidade, competência e determinação. Parabéns.
Dentre minhas atividades na aviação, sou um jornalista bi-sexto que mantem uma coluna na Revista Aero Magazine, ha já 12 anos. Varias vezes abordei o assunto, algumas recentemente e, confesso que não tive a sua serenidade e competência.
Rio Claro foi a minha segunda casa como aviador, onde pude conviver com figuras como o Bertelli, Coaracy Oliveira, Henrique Schiliter, Velho Pedro e tantos outros que guardo no coração. O Aeroclube de Rio Claro sempre foi mais que uma simples escola de aviação. Faz parte da história da aviação civil brasileira. Não tenha dúvidas. Como você bem disse, uma pleiade de aviadores que voaram e voam em nossa aviação civil foram forjados em Rio Claro. Suas oficinas e parque de manutenção foram referência em nosso setor. Para alguns "inocentes úteis" o nosso "velho campinho" não passa de um promotor de tosse para crianças e destino de alguns desocupados que não tem coisa mais produtiva a fazer. O Aeroclube é uma instituição bizarra, opositora do progresso e da modernidade que, faria melhor se não existisse ou fosse despejada para um lugar qualquer. Pobre gente. Pobre cidade que tão pouco cuida do seu patrimônio e sua memôria.
Se te servir de algum consolo, esse quadro se repete em todos os nossos aeroclubes. Pobre país.
Se te servir de algum consolo, tens a minha solidariedade e a de todos aqueles que devem sua profissão ao nosso aeroclube e todos aqueles que ainda lutam para preservar o seu valor.
Um forte abraço e parabéns pelo teu bom senso e determinação
Cordialmente
Decio Corrêa