quarta-feira, setembro 20, 2006

Cola e Cartão Vermelho

Hoje eu ia escrever sobre provas, mas um incidente com um aluno me motivou a escrever sobre um assunto que me intriga muito: Cola.

A Cola é realmente uma instituição nacional ou talvez universal. A cola, por definição, é um método desonesto ou imoral de se obter certo em uma questão, mesmo sem saber ou dominar o conteudo. Esta minha definição é um pouco ampla e diferente do tradicional, vou detalhando ela aos poucos.

Existem duas maneiras classicas de colas: A cola do vizinho e a cola que veio de casa.

A cola do vizinho é aquela que o aluno A olha na prova do aluno B que supostamente sabe mais e desta colhe o resultado de uma ou mais questões. Existem variações, como o aluno A deixar a prova com o aluno B, durante uma distração do professor e ao final da prova ocorre a destroca.

Este método se baseia na incompetência total do aluno A. Ele é tão incompetente, que nem colar ele sabe. Ele não sabe a matéria, não sabe o que pode cair, não sabe se o vizinho sabe, não basta dar uma olhadela na prova e refrescar a memória: Ele tem de ler linha por linha a prova do aluno B. Para o professor é muito fácil ver um aluno destes colando. O dificil é provar. Mas para matar este tipo de cola, os métodos são classicos também: Trocar o aluno A ou B (que eu chamo em sala de Cliente e Servidor). Existe um acordo morbido entre A e B. Em geral o aluno que sabe, ajuda o que não sabe, em troca de simpatia. Eu tinha um amigo que me acompanhou varios anos de escola que não aceitava esse acordo e fazia questão de resolver a prova duas vezes: Uma totalmente errada e deixava os vizinhos copiarem. Depois que eles entregavam, ele refazia a prova, desta vez corretamente. Ele foi ameaçado de morte várias vezes.

A cola que veio de casa é aquela que o aluno prepara em casa, ou na escola mesmo, antes da prova e durante a prova faz consultas para "ajudar" a memória. Este método, antigamente, era considerada uma forma de estudo, porque pra se preparar a cola o trabalho era tanto que valia mais que um estudo. Tinha de escrever com lapis 4B com letra pequena, fazer um resumo do que não se sabia - E ai entra um fator interessante, essa cola só era usada em casos de não se saber algo especifico - Tecnicas avançadas de dobradura, armazenamento e tal.

Hoje essa dificuldade toda foi substituida pelo Xerox reduzido. As vezes saio catando estas colas antes da prova e três ou quatro alunos possuem exatamente a mesma cola.

Atualmente existe cola no celular, no Disc-Man e variações tecnologicas impensadas em outras eras. Se a prova for de laboratório então, Deus nos proteja.

Ambos os métodos só funcionam com a cooperação da maioria da classe. Existem os que chamam a atenção do professor, pra que este não veja o movimento em outra area da sala. Existem os que "esquecem" uma lista na parte de baixo da cadeira (e assim o de tras pode copiar), existe o papelzinho que vai pro lixo, o rascunho voador, o boné com abas moveis e por aí vai...

E quando o bom aluno percebe uma questão que a classe não vai saber e diz em alta voz - "PROFESSOR, A QUESTÃO 3 É AQUELA QUE SE RESOLVE USANDO A FORMULA TAL". Pronto, ajudou a todos ...

Estou propenso a punir toda a classe em caso de cola identificada, mas isso ainda é projeto.

Este tipo de cola é ilegal. É sim, voce acha que não ? Experimente se inscrever para um concurso publico e durante a prova puxar "aquele" lembrete do bolso. É delegacia na hora. Concurso vestibular (já fui fiscal), também. Em caso de cola é aberto um processo judicial contra o individuo. Conta-se que em certa faculdade de direito, um professor, que era delegado, deu voz de prisão a um aluno que estava colando. O aluno pensou que era brincadeira, reagiu e acabou algemado. Não sei da veracidade da historia, mas cola é sim crime.

Os alunos alegam que se o professor não pegar, não tem problema. Conhece a historia dos dois caminhoneiros que iam por um caminho e encontraram uma ponte ? Na ponte tinha uma placa onde lia-se: "Carga maxima 5 ton". O caminhoneiro olhou pro companheiro e disse - "Puxa vida, vamos ter de voltar, nosso caminhão tem carga de 10 ton". O outro se virou e disse - "Pode ir, não tem nenhum policial olhando !".

Essa é a filosofia de vida do colador. Eu posso colar, desde que o professor não veja, sem se atentar para seus proprios prejuizos que nem vou me estender muito, porque todo mundo sabe - o colador inclusive.

Cola é como falta em jogo de futebol. Se o juiz ver e quiser dar cartão vermelho, morreu. Tive de fazer isso esta semana. O aluno argumentou que não estava vendo o papel com as respostas, mas eu vi como falta no ultimo homem. É cartão vermelho e já pro chuveiro.

A cola, assim como a falta no futebol, deixa tudo complicado e tenso. O professor tem a sensação de que está sendo enganado o tempo todo e o aluno que não cola, tem a sensação que vai ser injustiçado a qualquer instante. O aluno que está colando tambem acha que é "sacanagem" o professor me pegar, sendo que tanta gente cola.

Para o professor é uma situação traumatica também. Não pensem que não. Você ver o aluno com uma cola aberta, passa milhões de ideias e você tem de tomar a decisão em frações de segundo, levando em conta, desde sua autoridade em sala, seu passado - muitas vezes de colador tambem, uma sensação de traição e por ai vai.

Uma vez, uma aluna de quarto ano de faculdade, estava colando numa prova boba, que eu pedia mais ideias particulares que conceitos concretos. Achei melhor dar apenas uma advertencia. Cheguei ao lado dela e disse em voz baixa - "A proxima vez que eu te ver olhando na prova da vizinha eu coloco as duas pra fora".

Passado um tempo, estavam as duas novamente transferindo dados de uma prova pra outra. Peguei, voltei lá e troquei as duas de lugar. Aí, uma pegou um rascunho e jogou na carteira da outra (isso com umas duas fileiras de distância). Não teve jeito, fui lá e tirei as provas. Uma das alunas (a que fornecia) ficou com cara de "eu sabia que ia dar nisso". Mas a que copiava, saiu pelos corredores da escola gritando, chorando em altos brados. Foi até a direção e ficou aos prantos. Tão alto que chamou a atenção até do segurança da escola. Resultado, fui chamado na direção pra prestar esclarecimentos. Esta aluna até hoje não olha na minha cara, quando me ve na rua, ou em mercado. E ela acabou aprovada na disciplina, porque aquela prova tinha peso baixo, essas coisas. Mas foi um trauma.

Alem destes, existe um terceiro tipo de cola, que não é muito difundido, mas ocorre. Que eu chamo de questão pós-correção. O aluno recebe a prova e altera uma questão, colocando a resposta correta. Aí leva até o professor e pede alteração da nota. Este método é de simples coibição: Reclamação só com prova feita a caneta, marcar os espaços para resposta e espaços em branco devem ser marcados em vermelho pelo professor, durante a correção. Tive um aluno que fazia isso sistematicamente e fui obrigado a xerocar as provas dele e entregar apenas o xerox para ele ver. Mas foi um caso.

Existem dois métodos, que não são ilegais, mas são imorais. O embromation method e a Cola Branca.

O embromation method é odiavel, mas convenhamos que as vezes funciona e convenhamos que as vezes até os bons alunos usam (e estes usam muito). O aluno não sabe a resposta, mas escreve tanto, tanto e tanto na esperança que o professor, encontre, naquele amontoado de palavras a resposta correta. O embromation method é sempre, ou quase sempre, acompanhado de argumentação verbal - "COMO QUE O SENHOR DEU ERRADO NA QUESTÃO 15 ??? TÁ CERTO PROFESSOR, VEJA BEM ...". É odiavel. E aluno bom adora fazer isso. Tenta confundir o professor pra conseguir que sua nota passe de miseros 9,5 para 10 brilhante !!!

A cola branca é aquele método que não é ilegal e talvez nem seja imoral, mas o aluno usa algum método pra obter a nota, mesmo sem dominar o assunto. Meus alunos adoram "decorar respostas". Outro dia aconteceu isso. Eu pedi para descrever o método de recursão de uma função de visitação em arvores binárias na disciplina de Estrutura de Dados. O aluno escreveu o algoritmo integralzinho, como eu dei em sala. Acontece que não era isso o que eu pedia, eu pedi a descrição do método e interpretar aquilo que ele decorou (ou copiou, não posso afirmar com certeza) ele não conseguia fazer e por isso não aceitou o meio certo. Quando pedi pra ele reescrever o algoritmo na lousa, ele não o fez. Partindo do principio que ele não copiou, ele pode ter decorado, como se fosse uma frase em japones. Me lembro de uma aluna, uma vez "estudando" pra uma prova de eletricidade "Uma tensao V numa resistencia R produz uma corrente I, uma tensao V numa resistencia R produz uma corrente I, uma tensao..." como um mantra. Ora raios, isso nao vale de nada. Talvez ela até consiga uns pontinhos, mas não é por ai.

Outra variação da cola branca são as odiaveis perguntas ao professor durante a prova. PROFESSOR, Veja se minha respsota está certa. Ora, isso veremos depois. Não é ilegal, mas é uma insegurança monstro. E depois vem a cobrança: Mas na hora da prova o senhor disse que estava certo ...

Eu olho isso com muita estranheza, porque eu colei apenas uma vez (acredite se quiser) e mesmo assim, quase que por acidente. Então tenho a capacidade de olhar esse fenomeno "por cima" e tentar entender o que ocorre. Mas acho que ninguem ganha com a cola. Gostaria de um dia fazer um trabalho academico, voltado a educação, analisando o fenomeno da cola por grupos sociais, nivel escolar e assim por diante. Seria interessante.

Um comentário:

Cibele disse...

NO meu primeiro ano em DIREITO, fiquei indignada por receber "Zero" na prova de Direito Romano... Não me conformava em ter escrito tanta coisa e não ter nada aproveitado! Pedi Revisão de prova e fui falar com o Professor. Depois da minha argumentação ele respondeu:"Eu perguntei à senhora quanto eram 2 + 2. A senhora respondeu 3 + 3 são 6. O que a senhora escreveu está correto, não nego, mas não responde à minha pergunta!" Nunca mais esqueci a lição!